De volta à pauta do Congresso Nacional e do Executivo, a reforma administrativa precisa ser tratada com um nível de seriedade e profundidade compatível com a necessidade de modernização do Estado e melhoria de sua produtividade, serviços e eficácia. No entanto, é fundamental não repetir o erro de reduzir essa discussão a um mero corte de gastos e ao desgastado argumento referente ao peso dos servidores no orçamento. Não estamos tratando de uma planilha contábil, mas sim do avanço do setor público para melhor servir à população e obter o equilíbrio fiscal.
Se queremos um Estado mais eficaz, o foco inicial precisa ser exatamente a questão referente aos recursos humanos, que são a essência de qualquer organização. O serviço público só existe por meio dos servidores que, muitas vezes, enfrentam e superam condições adversas para garantir o atendimento às demandas essenciais. Valorizá-los é condição indispensável para qualquer avanço. Isso passa, necessariamente, pelo fortalecimento dos concursos públicos, como critério inegociável de admissão, e pela preservação da estabilidade funcional.
Esses dois preceitos, ao contrário do que se propala de modo equivocado, são mecanismos republicanos de proteção à sociedade, pois blindam a administração pública de interferências partidárias e ideológicas a cada troca de governo. Também servem como barreira contra o apadrinhamento político, que historicamente gerou ineficiência, favorecimentos e corrupção. Desmontar essas garantias, como propõem algumas versões da reforma, é abrir as portas para aprofundar retrocessos tão conhecidos quanto perigosos.
Flexibilizar ou extinguir a obrigatoriedade do concurso público para admissão de funcionários e a estabilidade dos concursados, por exemplo, será um tiro no pé. Pode até parecer, à primeira vista, uma forma de conter despesas, mas na prática resultará no oposto: contratações sem critérios técnicos, desligamentos em massa e a pesada indenização trabalhista a cada nova gestão governamental e a descontinuidade de políticas públicas teriam um peso fiscal muito maior do que o custeio atual da folha de pagamentos do funcionalismo estatutário da União, estados e municípios.
Num país como o Brasil, com um histórico político repleto de fisiologismo, não é difícil prever os resultados da eventual flexibilização da estabilidade e de contratações sem concurso e à revelia do mérito. Podemos afirmar com segurança que, sem esses dois institutos, o Estado será muito pior e mais deficitário do que é hoje.
Pelas mesmas razões, cabe reiterar nossa preocupação com o enfraquecimento do Regime Jurídico Único (RJU), instituído pela Lei nº 8.112/1990. Esse regime foi um marco na busca por uma administração pública mais coerente e igualitária, ao garantir isonomia de direitos e deveres para os servidores. Antes dele, a coexistência de vínculos distintos, como o estatutário e o celetista, gerava distorções e injustiças dentro do próprio serviço público. Ao se admitir a ampliação de contratações fora do regime estatutário, conforme arcabouço legal referendado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), criou-se um perigoso precedente para a politização das nomeações e a fragmentação da máquina pública. Este é um ponto que a reforma administrativa precisa rever.
É legítimo que se proponha a modernização de processos, a racionalização de estruturas e a adoção de mecanismos mais eficientes de avaliação e gestão de desempenho. Também é preciso implantar tecnologia de ponta, como a inteligência artificial, para a conquista de ganhos de qualidade. Mas, não se pode confundir avanços com a precarização do serviço público. É preciso evitar atalhos fáceis, que, em vez de aprimorar o Estado, apenas o fragilizarão.
A grande maioria da população brasileira depende diretamente da União, estados e municípios para ter acesso à saúde, à educação, à previdência, à Justiça, à segurança, à moradia, à mobilidade, à energia elétrica, às telecomunicações e a outros serviços importantes. Em muitos casos, o Estado é a única presença possível. Não se trata, portanto, de uma questão corporativa ou ideológica, mas sim de garantir que nosso país tenha uma estrutura pública capaz de oferecer, com qualidade, aquilo que a sociedade precisa.
A reforma administrativa deve ser feita, sim, mas com inteligência, responsabilidade e compromisso com o futuro. Não pode basear-se em conceitos equivocados e na retórica dissuasiva da realidade, sempre utilizados para justificar a incapacidade crônica de promover o equilíbrio fiscal. Afinal, o que está em jogo é o papel decisivo do Estado na vida de cada brasileiro.
*Artur Marques é o presidente da Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo (AFPESP).
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Suzane Melo