Às vésperas da Cerimônia do Oscar 2025, em que Ainda Estou Aqui recebeu três indicações – melhor filme, melhor filme internacional e melhor atriz -, falar sobre a sétima arte é um impulso irresistível para um amante do cinema. Afinal, o cinema não apenas diverte, mas também educa, emociona e, quando bem conduzido, transforma. O foco aqui não será a qualidade da direção de Walter Salles, nem as atuações impecáveis de Fernanda Torres, Fernanda Montenegro e Selton Mello. Fernanda entrega uma performance amplamente aclamada, enquanto Fernandona, em seu silêncio expressivo, golpeia qualquer traço de insensibilidade no espectador. Já Selton não apenas interpreta Rubens Paiva, mas faz com que o vejamos na tela, como se sua presença fosse real. Sua caracterização ganha força nas “presentes ausências” das cenas – na sala, no escritório da casa – onde a ausência se torna, por si só, um personagem. O cinema brasileiro nos presenteia com esta obra que transcende a tela e ecoa na alma. O impacto de filmes como esse transcende premiações e reconhecimento. Sua maior recompensa reside na capacidade de tocar o público, de gerar reflexão e de reacender a chama da luta pela justiça e pela memória. Cinema é mais do que entretenimento. Para além das explosões de Hollywood, dos dramas emocionantes e das comédias leves, existe uma intenção que nos desafia, que provoca questionamentos e que amplia nossa visão de mundo. Esse cinema que educa não é aquele que se limita a transmitir uma lição moral ou a explicar conceitos de forma didática. Pelo contrário, é o que nos tira da zona de conforto e nos faz refletir sobre as complexidades da realidade. E isso é fascinante. Ismail Xavier, um dos principais teóricos da área no Brasil, defende essa perspectiva ao afirmar que o cinema que realmente educa é aquele que nos faz pensar. Não como um instrumento de manipulação ou de transmissão de modelos comportamentais, mas sim como um espaço de experimentação e questionamento que nos leva a reflexões e constatações sobre nós mesmos, enquanto indivíduos e sociedade. Essa é uma dimensão essencial para compreendermos o impacto de Ainda Estou Aqui pois, para além da sua qualidade artística, resgata a verdade de um período que muitos tentam apagar ou distorcer, abordando a ditadura militar no Brasil, com suas arbitrariedades e brutalidades, sem disfarces ou eufemismos. Outros filmes também se aventuram por essa seara do cinema que educa e transforma. O Que é Isso, Companheiro? (1997), de Bruno Barreto, traz um olhar sobre o ativismo político e a repressão. Que Horas Ela Volta? (2015), de Anna Muylaert, não trata da ditadura, mas revela, com sofisticação, as feridas sociais do Brasil contemporâneo. Internacionalmente, filmes como A Lista de Schindler (1993) e Roma (2018) também ilustram como o cinema pode ser um instrumento de memória, identidade e justiça histórica. Segundo este viés defendido por Xavier, o filme brasileiro não apenas reflete a realidade, mas também a apresenta sob uma outra ótica, que pode ser traduzida como um verdadeiro convite ao espectador a questionar suas próprias convicções. Genialmente, sob o olhar subjetivo de Eunice Paiva – que para onde olha a realidade da trama se estabelece – uma história particular é transformada em espelho para o passado e o presente do Brasil. O fato de Ainda Estou Aqui estar no Oscar é significativo, mas não é o mais importante. Com ou sem estatueta, sua maior conquista é a sua existência porque a história contada não se encerra com os créditos finais. Ela pulsará nos corações, alimentando a esperança de que a barbárie jamais se repita. Enquanto houver arte, a memória resiste; e enquanto a memória resistir, o futuro não será um erro repetido. Fabricio Carvalho é Maestro e Membro da Academia Mato-Grossense de Letras (Cadeira n.º 23). @maestrofabriciocarvalho
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Equipe Yod Comunicação |
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