DEU EM A GAZETA
Fechada há quase três anos, após ser interditada pela Defesa Civil de Cuiabá, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito ainda aguarda o início das obras de restauração. Tombada há 50 anos pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a igreja enfrenta problemas estruturais graves, mas a burocracia e falta de recursos financeiros impediram o avanço do projeto e o início das obras. A primeira matéria da série “Templos da fé cuiabana” mostra a parte triste desta história. Pelo terceiro ano consecutivo, a Páscoa, celebração mais importante da igreja católica, não pode ser celebrada no templo símbolo da fé católica em Cuiabá.
“É uma sensação de tristeza. É a mesma coisa que você ter a sua casa, mas ela está fechada e você está morando em condições precárias e não pode voltar para onde nasceu e cresceu. Aqui agente está privado dessa sensação, desse conforto que esse espaço proporciona”, desabafa o padre Pedro Canísio Schroeder.
O pároco explica que entre 2004 e 2006 a igreja foi reformada, com melhorias na sustentação das paredes, restauração da arte sacra, climatização do ambiente e o piso foi refeito, porém o uso de madeiras verdes e a umidade do solo fizeram com que o material começasse a mofar.
“A igreja foi interditada pelo comprometimento do piso. Ela não oferecia mais segurança aos fiéis que aqui participavam. Um dia uma idosa saiu caminhando no final da missa e pisou numa tábua que cedeu, ela caiu e quebrou o fêmur. Então, foi um sinal de que realmente não dava para a gente continuar usando esse espaço”.
Além do problema com o piso, o local nunca teve projeto contra incêndio ou alvará de funcionamento. Outra situação é que o ar-condicionado instalado em meados de 2006 foi colocado acima do forro e nunca passou por manutenção. Água pingava do teto molhando os fiéis e, ao climatizar toda a nave central, provocou choque térmico na arte sacra, que começou a se deteriorar e apresentar rachaduras.
Apesar de ser responsabilidade da administração da igreja, por ser um patrimônio tombado, qualquer obra de restauração precisa seguir critérios para ser aprovada pelo Iphan. Desde a interdição, a paróquia apresentou três projetos à autarquia federal e neste mês de abril a última versão foi aprovada e agora começam as tratativas de orçamentos e busca de mão de obra especializada.
Dentro da igreja
As portas trancadas da Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito escondem do público o cenário de degradação. O piso de madeira está cedendo em vários pontos, com tábuas faltando, outras bambas e algumas estufadas pela umidade. É preciso cuidado para caminhar por ali.
Alguns pontos das paredes estão manchados de infiltração ou rachaduras, que também afetam as esculturas sacras e apresentam fissuras visíveis. Os pilares de madeira, que ficam logo na entrada da igreja, estão sedes fazendo ao toque.
O padre Canísio explica que o novo projeto prevê a substituição completa do piso, readequação do sistema de climatização para proteger a arte sacra, mas também possibilitar manutenções regulares, mantendo o conforto dos fiéis.
Um arqueólogo será contratado para supervisionar a remoção do piso atual, pois caso algo de valor histórico seja encontrado, as obras serão suspensas até que um laudo sobre o achado seja emitido. Uma situação como essa pode mudar todo o projeto.
Ainda não há valores atualizados de quanto deve ser gasto nessa obra, mas a gestão tem buscado recursos junto ao governo estadual.
Memória e devoção
Construída por escravos, em meados de 1730,a Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito é considerada de valor intangível, como aponta o historiador Suelme Fernandes, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso.
“Para além do significado plástico, visual, arquitetônico, existe uma representação imaterial, que são as festas, as tradições que se celebram no entorno da Santidade de São Benedito, que é o maior santo do Pantanal”.
Suelme ainda aponta que quando se fala neste templo católico, ele tem valor muito além do que para a história de Cuiabá ou do Brasil, mas simboliza a história da colonização portuguesa nas América se representa a história da África no mundo, como símbolo de resistência dos escravos brasileiros. Fernandes ressalta que a Igreja do Rosário e São Benedito é diversificada.
“Esse templo é onde se pratica há muitos anos a lavagem da escadaria de São Benedito e isso tema ver com as religiões de matriz africana. O São Benedito tem representações espirituais relacionadas a preto velho da Umbanda e Candomblé. Então, não é só importante para as memórias dos católicos, mas também para as religiões africanas e afrodescendentes”.
Impactos e prejuízos
O historiador comenta que o prejuízo ao se ter um templo como esse fechado é incalculável e muitos fiéis estão descontentes com a situação, mas a devoção continua viva.
“Imagina a festa de São Benedito sema casa do santo aberta. É óbvio que isso causa um prejuízo de toda natureza. São Benedito é um santo da cozinha do povo cuiabano. Quando você entra nas cozinhas, tem uma imagem de São Benedito e uma xícara de café. Ele é íntimo das famílias cuiabanas e do Vale do Rio Cuiabá. Então, a impossibilidade de frequentar um culto religioso na casa de um santo que tem tanta importância, não tenho dúvidas que causa um prejuízo e diria até um mal-estar para as pessoas”.
Suelme acrescenta que a preservação do patrimônio histórico é algo importante para a saúde mental da população, pois são documentos que demonstram a passagem do tempo na história. Essa igreja, como várias outras, fazem parte da história do povo cuiabano, onde muitos se batizaram, fizeram eucaristia, se casaram e frequentam a missa.
“A abertura e a preservação do patrimônio não é só apenas um gosto romântico e estético de historiadores e arquitetos. É uma necessidade para a qualidade de vida nos centros urbanos das cidades”.